ELLEN WHITE E AS DIVERSÕES PROIBIDAS - PIQUENIQUE
Entre os aspectos abrangidos pelas “diversões proibidas”, me deparei com um bastante interessante, que pode gerar grande controvérsia quando se negligenciam pesquisas adicionais. Em algumas passagens do Espírito de Profecia, nota-se uma clara reprovação aos piqueniques como um tipo de reunião para busca de prazer, onde a presença de Cristo não pode ser encontrada.
O texto abaixo é um exemplo extraído de Testemunhos para a igreja, vol. 1, p. 269:“Os perigos dos últimos dias estão sobre nós, e sobre os jovens uma tentação a qual não esperam. Eles enfrentarão a mais aflitiva perplexidade. A genuinidade de sua fé será provada. Professam estar aguardando a vinda do Filho do homem, todavia alguns deles têm sido um infeliz exemplo aos descrentes. Não estão dispostos a abandonar o mundo, mas com eles se unem. Têm participado de piqueniques e outras reuniões de prazer, lisonjeando-se de que estão envolvidos com divertimentos inocentes. Foi-me revelado que são justamente tais transigências que os têm separado de Deus, e os tornado filhos do mundo.”
Este e outros textos sempre me deram a certeza de que os jovens da igreja não deveriam frequentar piqueniques, e ao ler o trecho citado, o leitor pode chegar à mesma conclusão. Contudo, recentemente me deparei com outro texto, da mesma autora, sobre como as famílias cristãs deveriam passar os feriados, e caso o contexto dessa passagem não seja compreendido, pode confundir-nos a mente ao ponto de nos levar a pensar que o trecho de Testemunhos para a igreja, vol. 1 é falso ou no mínimo incoerente.
Esse outro texto também está no mesmo livro, p. 514: “Unam-se várias famílias que residem numa cidade ou vila, e deixem as ocupações que as cansaram física e mentalmente, e façam uma excursão ao campo, às margens de um belo lago, ou a um bonito bosque, onde seja lindo o cenário da Natureza. Devem prover-se de alimento simples e saudável, das melhores frutas e cereais, pondo a mesa à sombra de alguma árvore ou sob a abóbada celeste. A viagem, o exercício e o panorama despertarão o apetite e poderão desfrutar de uma refeição que causaria inveja aos próprios reis.”
Após a leitura, é possível que surja a dúvida: O que seria essa refeição em família junto à natureza, senão um piquenique? Seria o piquenique dos tempos da profetisa um tipo de diversão desconhecida para nós, hoje? Perguntas como essas me levaram à pesquisa da origem e do contexto histórico do piquenique, bem como sobre o seu significado nos tempos de Ellen White. A primeira vez em que a palavra “piquenique” apareceu na língua inglesa foi em 1748, em uma carta de Lord Chesterfield, como um tipo de reunião amigável de conversação, jogos de cartas e consumo de bebidas. Era, portanto, uma palavra relativamente recente quando Ellen White a empregou nos seus textos. Chegou-se a especular que a palavra deriva da expressão em inglês “Pick a nigger” (em português “pegue um negro”), originada em antigas reuniões do período escravocrata do sul dos Estados Unidos, de caráter festivo, onde eram realizadas refeições coletivas, vendas de escravos e por vezes linchamento dos mesmos.
Estudos recentes demonstram que essa suposta origem é falsa. Contudo, a Ferris State University, de Michigan, EUA, mantenedora do Jim Crow Museum (Museu Jim Crow), publicou uma interessante resposta à pergunta de uma internauta chamada Sarah James, de Baltimore. A dúvida dela era se as pessoas deveriam deixar de usar a palavra “piquenique” pelo fato de haver uma suposta ligação entre o termo e o linchamento de negros pela supremacia branca nos estados norte-americanos do sul. O curador do museu respondeu: “Piquenique”, em sua origem, era uma palavra francesa do século dezessete. O significado original era semelhante ao de hoje — uma reunião social, onde cada participante leva uma porção de comida. [...] O significado literal de “piquenique” [...] é “cada um pegue um pouco”. [...] O termo [...] não aparece na língua inglesa até meados de 1800. É claro que piquenique não foi derivado de “pick-a-nigger”, “pick-a-nig”, ou frases racistas semelhantes. No entanto, alguns dos quase 4 mil negros que foram linchados entre 1882 e 1962 sofreram sob circunstâncias que podem ser adequadamente descritas como algo semelhante a um piquenique. Phillip Dray, historiador, declarou: “Linchar era uma parte inegável da vida diária, algo tão americano como jogos de beisebol e jantares da igreja. Homens levavam suas esposas e filhos para esses eventos, posavam para fotografias comemorativas, e compravam lembranças da ocasião como se tivessem ido a um piquenique da empresa”.
Dray não estava exagerando. Tomemos esta explicação como verdadeira por ter uma base histórica confiável. Seria um absurdo pensar que não havia problema algum para um cristão participar de tal festividade. Gostaria o leitor de encontrar a morte em tal ocasião, quando estivesse despreocupado com a vida espiritual, conversando trivialidades, jogando cartas e participando de atrocidades contra outros seres humanos? Questionado sobre o porquê de um piquenique ser relacionado à apostasia, Arthur Delafield, depositário aposentado dos escritos da irmã White, escreveu em 28 de maio de 1957 uma carta em que esclarece o assunto a um leitor que havia solicitado ao White Estate uma resposta à mesma dúvida que temos atualmente.
“Acredito que a palavra ‘piquenique’ tenha perdido qualquer sombra de mundanismo e mal que possuía há um século. Hoje, usamos a palavra para descrever uma reunião inocente de recreação a céu aberto, embaixo das árvores, ao lado de um lago ou talvez em um parque. Talvez algumas famílias participem, ou mesmo um grupo maior, como uma escola ou uma igreja. [...] É verdade hoje, como em tempos passados, que piqueniques podem se tornar cenas más, onde conversas frívolas e práticas mundanas podem surgir. Cabe àqueles que são responsáveis pelo piquenique guiar os participantes no modo cristão. [...] A própria irmã White esteve presente em reuniões de inocente prazer e as aproveitou muito bem. Adequadamente conduzido, um piquenique pode ser um tempo bem aproveitado para refrescar a mente e uma bênção para os envolvidos.”
Há momentos em que é difícil aceitar certas coisas que parecem ser simples imposições da igreja, mas na verdade não são. O que somos advertidos a fazer ou deixar de fazer são conselhos vindos diretamente al. Quando nos depararmos com situações em que fique aquela dúvida: “Pode ou não pode?”, lembremo-nos das palavras do apóstolo Paulo em 1 Coríntios 6:12, “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma.”
Que o Senhor os abençoe.
Compilado da Revista Observador da Verdade